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Além da escola: como estabelecer combinados realistas com as famílias sobre o uso de celulares em casa

"Estabelecer acordos sobre o uso do celular em casa não é um convite ao controle, mas ao cuidado", aponta especialista. Leia o artigo

É cada vez mais comum escutarmos de professores e gestores que o uso de celulares em casa está impactando diretamente o comportamento, o sono e até a aprendizagem dos estudantes em sala de aula. Crianças chegam cansadas, irritadas, desconcentradas. Adolescentes, por vezes, atravessam dias inteiros com a mente dividida entre o que está acontecendo na escola e o que não podem deixar de acompanhar nos grupos de mensagens e redes sociais. Mas como falar sobre isso com as famílias? Como propor combinados que façam sentido na vida real, respeitando contextos diversos e realidades familiares múltiplas?

Antes de tudo, é preciso lembrar: a escola não educa sozinha — e a família, muitas vezes, também está em busca de orientação. A chegada dos celulares à infância e adolescência aconteceu com uma velocidade maior do que nossa capacidade de elaborar seus efeitos. Estamos, todos, aprendendo. Por isso, mais do que normatizar, a escola pode assumir o papel de mediadora, promovendo espaços de escuta, reflexão e apoio às famílias.

Educação digital começa com vínculo

Não adianta fazer uma cartilha e enviá-la para casa. A construção de acordos precisa passar por confiança mútua. Quando a escola propõe combinados com abertura, escuta e respeito, ela se torna parceira — não vigilante. Ao incluir as famílias nas decisões e nos debates, criamos a possibilidade de construir um senso de comunidade em torno de algo que realmente preocupa a todos: o bem-estar das crianças e adolescentes.

Vale lembrar que muitos responsáveis também se sentem sobrecarregados. Sabem que o uso excessivo das telas está afetando seus filhos, mas não encontram alternativas viáveis em seu cotidiano. Outros se sentem culpados por não conseguir estabelecer limites. É nesse lugar de empatia que a escola pode atuar: oferecendo caminhos, e não julgamentos.

O que é razoável pedir às famílias?

Com base no Guia “Uso de Telas por Crianças e Adolescentes” do governo federal, sabemos que o uso consciente de telas exige equilíbrio e realismo. Por isso, ao propor combinados, é importante considerar:

  • Que as famílias vivem rotinas diferentes e têm níveis distintos de acesso à informação e recursos;
  • Que o celular, para muitos adolescentes, é também espaço de pertencimento e de expressão;
  • Que a proibição total tende a gerar resistência e quebra de confiança.

Mais do que restringir, podemos propor pausas. Mais do que vigiar, podemos construir rituais. Por exemplo, sugerir momentos de “desconexão coletiva” em casa, como jantares sem telas ou períodos de leitura antes de dormir, pode ser mais potente do que estabelecer punições rígidas. A escola pode compartilhar exemplos práticos e histórias inspiradoras de outras famílias da própria comunidade.

Dicas práticas para a escola propor aos responsáveis

1. Combinados que envolvam os próprios filhos:
crianças e adolescentes são mais propensos a seguir acordos dos quais participaram. Sugira que as famílias construam juntos seus “contratos de uso” — escritos à mão, com prazos e consequências claras.

2. Momentos do dia com uso limitado: incentive pausas em horários específicos, como ao acordar, durante as refeições e antes de dormir.

3. Espaços da casa sem telas: propor “zonas livres de celular”, como a mesa de jantar ou o quarto antes do sono, pode ajudar a recuperar o convívio e a atenção plena.

4. Modelagem pelo exemplo: os adultos também precisam revisar seus hábitos. A escola pode propor que cada família reflita sobre o próprio uso de telas, reconhecendo que os filhos aprendem mais com o que observam do que com o que ouvem.

5. Participação da escola no monitoramento formativo: compartilhar com os responsáveis as observações sobre o impacto do sono, da atenção e das emoções dos estudantes pode criar um vínculo entre causa e consequência.

Escola e família: do controle ao cuidado

Estabelecer acordos sobre o uso do celular em casa não é um convite ao controle, mas ao cuidado. É reconhecer que o ambiente digital também educa — e, por isso mesmo, precisa ser observado com a mesma atenção que damos ao ambiente físico da escola.

Quando a escola compartilha suas inquietações de forma acolhedora e propõe caminhos concretos, a resposta das famílias é positiva. Mais do que adesão às regras, nasce daí uma rede de apoio à infância e à adolescência.

Se queremos formar estudantes éticos, críticos e conscientes em um mundo conectado, precisamos criar pontes entre o dentro e o fora da escola. E essas pontes começam com confiança, diálogo e a disposição de fazer diferente. Juntos.

Leticia Lyle - É pedagoga e mestre em Currículo e Educação Inclusiva pelo Teachers College da Columbia University, nos Estados Unidos. É cofundadora da Camino Education e da Cloe, além de diretora da Camino School. Também é coautora do livro "Convivência Ética na Educação" e conselheira do Instituto Porvir e do Instituto Ame Sua Mente.

Fonte: Portal Porvir - Leticia Lyle

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