image description

Com IA e sobre IA: o desenho de um novo curso do MEC para professores

O curso está em fase de testes e segue um projeto global da Unesco, implementado no Brasil, na Tailândia e no Egito. A versão brasileira incorpora aprendizados do currículo do Piauí, o primeiro das Américas a ser implementado nas escolas

“Do mesmo jeito que a internet, o cinema e a televisão reconfiguraram as nossas vidas, assim é a inteligência artificial (IA). Uma coisa é ter um olhar crítico e uma relação crítica bem fundamentada; outra é achar que ela não vai chegar (às escolas), quando, na verdade, os estudantes estão usando quase sem orientação”, afirmou Iuri Rubim, diretor-geral do IAT (Instituto Anísio Teixeira), centro de formação continuada para os educadores da rede pública de Ensino da Bahia. 

Durante o seminário “IA na educação básica: construindo referenciais nacionais”, realizado na última semana, em Brasília (DF), pelo Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o educador ressaltou que sempre haverá um descompasso se a educação continuar sendo tratada como algo dissociado da vida cotidiana.

O desafio da formação docente diante da IA

Professores de todo o Brasil enfrentam o desafio de ensinar sobre, para e com a inteligência artificial em um cenário de rápidas mudanças tecnológicas, como se estivessem “trocando a roda com o carro em movimento”. Para Iuri, os professores e demais profissionais da educação não precisam ser especialistas em IA, mas é essencial que essa tecnologia faça sentido também para eles.

“A gente precisa quebrar o paradigma de que a curva de aprendizagem dos professores deve ser anterior à dos alunos. Isso é inviável. Precisamos construir uma nova cultura, que inclua uma dose de humildade, para os educadores compreenderem que precisarão aprender junto com os estudantes”, ressaltou.

O Instituto Anísio Teixeira promove formações de professores baseadas no conceito de “Learning by Teaching” (aprender ao ensinar, em tradução livre), inclusive entre aqueles que elaboram os cursos. Para o diretor, é fundamental tornar os docentes mais autônomos na criação de seus próprios conteúdos, sem depender exclusivamente da inteligência artificial.

“Se quisermos que os professores apenas repitam processos, eles se tornarão meros replicadores, a pior versão da IA. Queremos profissionais com autonomia, capazes de elaborar suas próprias atividades pedagógicas”, reforçou.

Formação docente com base em princípios humanizadores

Ivan Siqueira, professor titular de interdisciplinaridade na UFBA (Universidade Federal da Bahia), destacou que normativas como a Resolução nº 4 do CNE (Conselho Nacional de Educação), que orienta os cursos de formação inicial de professores, defendem a formação de profissionais com caráter transformador, emancipador e humanizador, capazes de promover a cidadania plena.

Ele lembrou que o Brasil já possui diversos documentos dedicados à área de computação que podem auxiliar os docentes nesse percurso, mas alertou para a necessidade de mudança de mentalidade.

“Se a formação continuada seguir esses princípios, nem seria preciso escrever mais uma linha. Mas isso não vai acontecer espontaneamente, pois somos um país marcado por um pensamento positivista. Ninguém é obrigado a fazer nada além do que está escrito”, afirmou. “Portanto, infelizmente ou felizmente, teremos que criar novos documentos, orientações para as diferentes modalidades e responsabilidades para os sistemas, redes e instituições formadoras.”

Uma postagem recente do Porvir sintetizou um relatório da organização D3e (Dados para um Debate Democrático na Educação), que identifica características de formações continuadas eficazes. Esses cursos aprofundam o conteúdo e sua didática, promovem a aprendizagem ativa com modelização, devolutivas e reflexão, além de valorizarem a colaboração entre pares, o apoio especializado e a continuidade das ações formativas. Também se destacam pela coerência com políticas educacionais, currículo e contexto escolar, contribuindo para mudanças sustentáveis na prática docente.

Como é o desenho do curso do MEC

O MEC, em parceria com a Unesco, está desenvolvendo uma formação voltada ao letramento em IA para professores. Coordenado por Rosa Vicari (UFRGS), Christian Brackmann (Instituto Federal Farroupilha), Cristiano Galafassi (UNIPAMPA) e Lucas Eishi Pimentel Mizusaki (UNIPAMPA), o curso está em fase de testes e segue um projeto global da Unesco, implementado no Brasil, na Tailândia e no Egito.

A versão brasileira incorpora aprendizados do currículo do Piauí, o primeiro das Américas a ser implementado nas escolas, também desenvolvido pela mesma equipe.

Durante sua fala no evento do MEC, Rosa Vicari, professora titular da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), explicou que a formação busca desenvolver competências voltadas a dados, algoritmos e modelos, diferenciando inteligência artificial de computação.

“A IA faz parte da computação? Sim, mas tem peculiaridades. Trabalha de forma distinta com dados. Enquanto a computação tradicional processa registros sequenciais, a IA opera com grandes volumes de dados simultaneamente, inclusive incompletos”, explicou.

Segundo Rosa, os algoritmos de IA se diferenciam por sua capacidade de aprender. “Mais do que isso, a IA pode aprender objetivos próprios a partir de dados não programados por humanos, o que lhe confere uma certa intencionalidade. Isso muda tudo”, completou.O objetivo da formação é preparar os professores para pensar com a IA. ou seja, usá-la na resolução de problemas, e pensar sobre a IA, compreendendo seus mecanismos, limites e possibilidades.

Competências a serem desenvolvidas na formação do MEC

(Com base nas diretrizes da Unesco de 2024)

Compreender os princípios da inteligência artificial centrada no planeta, reconhecendo riscos, implicações éticas e impactos na convivência social e nos direitos humanos.

Demonstrar conhecimentos sobre fundamentos da IA, exercendo análise crítica de suas limitações, possibilidades e impactos sociais e éticos.

Avaliar sistemas de IA com soluções criativas e éticas para problemas reais, considerando seu potencial em diversos contextos.

Aplicar conceitos de IA relacionados ao aprendizado de máquina, compreendendo suas aplicações, limitações e implicações éticas.

Relacionar a IA ao mundo do trabalho, identificando como ela transforma profissões e contribui para o desenvolvimento de novas habilidades.

Atualmente, dois projetos-piloto estão em andamento no Brasil, nos estados da Bahia e do Pará.

Rosa também destacou o papel humano nesse processo. Segundo ela, a criação de comandos (prompts) é uma nova competência que exige habilidades prévias, como raciocínio lógico e domínio da linguagem.

Christian Brackmann, professor do IFFAR (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha), reforçou que o desenvolvimento de habilidades relacionadas à IA não exclui as competências humanas — pelo contrário, as valoriza.

Ele sugeriu práticas pedagógicas como a criação de textos para serem superados pelos estudantes ou a elaboração de tarefas com erros intencionais, a fim de que os alunos exercitem a análise crítica e o domínio do conteúdo.

O curso será baseado na avaliação de aprendizagens, e não apenas na memorização de conteúdos, integrando a IA a situações-problema reais e contextualizadas.

A equipe responsável mantém uma página com materiais gratuitos, como planos de aula, ferramentas e sugestões de leitura, além do conteúdo aplicado na rede de ensino do Piauí:

Acesse o site da formação

Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira

Serviços de Cobrança