Criar, resolver, imaginar: o papel do pensamento computacional para crianças
O contato com a prática faz com que as crianças desenvolvam confiança para enfrentar desafios e compreendam como as tecnologias funcionam
Vivemos em uma era digital, na qual a tecnologia permeia quase todos os aspectos do cotidiano. Nesse contexto, surge a necessidade de desenvolver, desde cedo, habilidades que vão além do uso passivo da tecnologia. O pensamento computacional apresenta-se como uma competência fundamental deste século, e sua introdução desde os anos iniciais do ensino básico tem ganhado destaque entre educadores, pesquisadores e políticas públicas.
Segundo a definição da pesquisadora Jeannette Wing, professora de Ciência da Computação na Universidade de Columbia (Estados Unidos), pensamento computacional é uma forma de pensar que envolve resolver problemas, projetar sistemas e compreender comportamentos humanos com os fundamentos da ciência da computação.
Trata-se, portanto, de uma habilidade cognitiva que pode — e deve — ser ensinada independentemente do uso direto de computadores, por meio de atividades analógicas, jogos, desafios e linguagem de programação, de forma lúdica e contextualizada.
Por que ensinar pensamento computacional desde cedo?
Estudos da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), entre eles o levantamento “Reimaginar o futuro juntos: educação pede um novo contrato social”, de 2021, indicam que o ensino de pensamento computacional está associado ao desenvolvimento de competências como raciocínio lógico, criatividade, resolução de problemas, autonomia e colaboração. Crianças que têm contato com essas práticas desde os primeiros anos tendem a desenvolver maior confiança para lidar com desafios e maior compreensão sobre como as tecnologias funcionam.
Além disso, dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em relatórios como “Rumo a um ecossistema eficaz de educação digital”, de 2023, mostram que países que já incorporam o pensamento computacional no currículo, como Estônia, Reino Unido e Finlândia, vêm apresentando avanços significativos tanto em desempenho acadêmico quanto na inclusão digital.
No Brasil, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) já prevê, entre suas competências gerais, o uso de tecnologias digitais e a educação digital, reconhecendo a importância da cultura digital no processo formativo dos estudantes. Além disso, com a inclusão do componente curricular de computação no ensino fundamental, a BNCC estabelece objetivos específicos organizados em três eixos estruturantes: pensamento computacional, cultura digital e mundo digital.
Embora já estivesse presente de forma transversal, especialmente no eixo de matemática e nas competências de resolução de problemas e inovação, agora ganha destaque como conteúdo estruturado, promovendo habilidades como análise, decomposição, abstração e algoritmos, fundamentais para a formação integral do estudante na sociedade digital.
Pensamento computacional no currículo
Embora muitos associem o pensamento computacional apenas à programação ou ao uso de computadores, sua aplicação pode (e deve) ir além. A seguir, algumas estratégias práticas para o cotidiano escolar:
• Atividades desplugadas (sem computador): Jogos de tabuleiro, sequências lógicas, brincadeiras com comandos, desafios de algoritmos com setas ou blocos. Por exemplo, pedir que os alunos criem um “código” para orientar um colega do ponto A ao ponto B na sala, respeitando regras.
• Histórias com lógica: Leitura e recontagem de histórias com foco na ordem dos acontecimentos, repetição e padrões — princípios fundamentais da lógica de programação.
Uso de robótica educacional: Mesmo em contextos com menos recursos, kits simples de robótica (como sucata com LEDs e motores) podem ser usados para introduzir lógica e causa-efeito.
• Linguagens de programação visuais: Plataformas como Scratch e Code.org oferecem ambientes acessíveis para que crianças criem histórias e jogos, desenvolvendo sua autonomia criativa.
• Projetos interdisciplinares: O pensamento computacional pode ser integrado a outras disciplinas, como geografia (com mapas e coordenadas), arte (com padrões visuais), e ciências (com experimentos baseados em etapas lógicas).
Desafios para sala de aula
Apesar dos benefícios evidentes do pensamento computacional para as crianças, ainda há desafios para a efetiva implementação nos anos iniciais. Entre eles, destacam-se a formação dos professores, a falta de infraestrutura tecnológica e a resistência a metodologias inovadoras. Nesse sentido, é urgente investir em formações continuadas, materiais de apoio, criação de redes de educadores e valorização de boas práticas já existentes.
Além disso, gestores educacionais precisam compreender o pensamento computacional como uma competência essencial, e não opcional, garantindo tempo na grade, espaço de experimentação e diálogo constante com a comunidade escolar.
Ensinar pensamento computacional desde os anos iniciais é uma escolha pedagógica que prepara as crianças não apenas para o futuro digital, mas para a vida. Trata-se de formar estudantes capazes de pensar com clareza, resolver problemas com estratégia e criar soluções inovadoras para os desafios do mundo. Mais do que formar programadores, queremos formar pensadores críticos e criativos — e isso começa desde os primeiros passos na escola.
Débora Garofalo - Professora, mestra em Educação, gestora em inovação, integrante da comissão municipal de Direitos Humanos, embaixadora do Instituto Ayrton Senna e da Varkey Foundation. Considerada uma das 10 melhores professoras do mundo pelo Global Teacher Prize.
Fonte: Portal Porvir - Débora Garofalo