Postura corporal é ponto de partida para ensinar com confiança
Em passagem pelo Brasil, a psicóloga norte-americana Amy Cuddy defende que postura corporal e presença autêntica fortalecem a confiança de educadores
Quem nunca saiu de uma reunião com a sensação de que algo ficou atravessado? Quando palavras mal colocadas ou ideias mal interpretadas pairam no ar, o corpo reage. Ombros caem, a respiração se prende e a mandíbula se tensiona, enquanto a mente ainda tenta entender o que aconteceu.
Foi a partir desse tipo de sensação que a psicóloga social Amy Cuddy, professora da Harvard Business School (Estados Unidos), iniciou sua participação no Arco Day. O evento, promovido pela Arco Educação, reuniu educadores e gestores de escolas particulares de todo o Brasil durante dois dias na Bienal do Ibirapuera, em São Paulo (SP).
Autora do livro Presence: Bringing Your Boldest Self to Your Biggest Challenges (“O poder da presença: liberte seu eu mais confiante para encarar os desafios da vida”, em tradução livre), publicado em mais de 35 países, Amy ganhou projeção internacional após sua palestra no TED Talk, em 2012, uma das mais assistidas da história. Na ocasião, ela mostrou como a linguagem corporal pode transformar nosso estado emocional e a maneira como somos percebidos.
O corpo como ferramenta de transformação
Para a plateia de São Paulo, Amy propôs um exercício simples para exemplificar sua teoria. Primeiro, pediu que os participantes lembrassem uma situação de desconforto. Depois, convidou todos a pensarem em um momento oposto, em que se sentiram plenamente confiantes, mesmo que o resultado final não tenha sido exatamente o esperado.
“Nesses momentos, respiramos melhor, nosso corpo se expande e nos sentimos em paz com quem somos”, afirmou. Para ela, essas reações físicas revelam algo essencial: a distância entre a identidade real e a ideal. E o trabalho de reduzir esse espaço é o que gera a sensação de pertencimento e segurança para agir.
Parte fundamental de seu trabalho está em mostrar que o corpo não apenas expressa emoções, mas também pode ser usado como um agente de transformação. Pesquisas conduzidas por Amy demonstram que posturas expansivas (como ombros abertos) ativam o sistema de aproximação, ligado à autoconfiança, à iniciativa e à empatia.
Investigação pessoal e postura corporal
A jornada de Amy começou com uma experiência traumática. Quando era estudante, ela sofreu um grave acidente de carro. Foi arremessada para fora do veículo, que capotou a mais de 120 quilômetros por hora. Acordou no hospital com um diagnóstico de traumatismo craniano severo. Os médicos disseram que ela não conseguiria terminar a faculdade.
Contrariando os laudos, Amy recuperou a capacidade mental, formou-se em psicologia, foi aceita no doutorado da Universidade de Princeton e, mais tarde, tornou-se professora da Harvard Business School.
Mesmo no auge da carreira, a insegurança a perseguia. Na véspera de sua primeira aula, ouviu de colegas que os alunos eram exigentes e intimidadores. “Me disseram que eram como tubarões. E percebi que me esconder não funcionaria. Eu precisava confiar neles e em mim”, relembrou.
“Nosso corpo não apenas reflete como nos sentimos. Ele define o que sentimos”, explicou. “Ficar ereto, respirar profundamente, falar com pausas… tudo isso não apenas muda a percepção dos outros sobre nós. Muda a nossa própria percepção sobre nós mesmos.”
Tipos e relações de poder
Durante sua palestra em São Paulo, Amy diferenciou dois tipos de poder.
- Poder formal: ligado a cargos, hierarquia e controle
- Poder pessoal: capacidade de autogestão, infinito e compartilhável.
O poder formal está ligado a cargos, títulos e controle sobre recursos e decisões. Já o poder pessoal é diferente: representa a capacidade de controlar os próprios estados, comportamentos e escolhas.
Ela explica: “O poder formal funciona como um jogo de escassez. Quanto mais um tem, menos sobra para o outro. Já o poder pessoal é infinito. Quanto mais temos, mais podemos compartilhar.”
Para Amy, escolas e comunidades saudáveis são aquelas em que as pessoas se sentem ouvidas, valorizadas e seguras para contribuir com autenticidade. “Falta atenção ao desenvolvimento do poder pessoal nas instituições. E isso compromete a capacidade de conexão e transformação.”
O poder pessoal e a postura corporal, segundo ela, também são base para o que chama de coragem social: a disposição de agir diante de situações injustas, defender os outros e se posicionar com empatia e firmeza.
Mais do que o cargo que alguém ocupa, o que realmente prediz quem vai agir com bravura em momentos difíceis é o quanto essa pessoa se sente segura em si mesma.
Ela também lembrou que confiar nos outros é um ato de coragem. “Para conquistar a confiança de alguém, é preciso estar disposto a oferecê-la primeiro”.
Técnicas práticas de postura corporal
Amy destacou que nossa postura corporal influencia diretamente o estado emocional. Posturas corporais expansivas, como ficar em pé com o peito aberto, ativam o sistema de aproximação, aumentando confiança, criatividade e disposição para ação. Por outro lado, posturas fechadas desencadeiam o sistema de inibição, levando à retração e desconfiança.
A respiração também é uma aliada poderosa. Amy demonstrou a técnica conhecida como respiração 4-7-8: inspirar por quatro tempos, segurar por sete e expirar em oito. Essa prática ativa o sistema nervoso parassimpático, responsável por reduzir a ansiedade e promover sensação de segurança.
Ela também apresentou estudos feitos com mais de cinco mil estudantes do ensino fundamental na Alemanha. Crianças que praticam posturas de poder antes das aulas se sentem mais confiantes e estabelecem relações mais positivas com os professores.
Em outro experimento, realizado nos Estados Unidos, adultos com sintomas de depressão foram convidados a manter a postura ereta por dois minutos. O resultado indicou uma redução significativa nos níveis de tristeza e apatia, mesmo entre aqueles que disseram que o exercício parecia “bobo”.
Criar espaço para si e para os outros
Na parte final de sua fala, Amy compartilhou a história de Vafy, um pônei islandês que, após trauma, isolou-se completamente. Sua treinadora, inspirada nas pesquisas de Amy, criou uma brincadeira com cordas e movimentos para estimular o animal a simular comportamentos de confiança. O resultado foi surpreendente: em dias, Vafy reiniciou a socialização e posteriormente tornou-se campeão em competições internacionais.
“Assim como os animais, nós também precisamos nos sentir capazes para agir, nos conectar, aprender e liderar”, disse Amy. “Expandir-se não é tomar espaço. É criar espaço. Para clareza, para calma, para conexão.”
A psicóloga finalizou reforçando que o poder pessoal se revela nas ações, não em palavras. Quando alguém se apresenta com autenticidade, oferece permissão para que os outros façam o mesmo. “Em tempos de incerteza, liderar com coragem, e não com controle, é o verdadeiro ato de resistência”, finaliza.
Fonte: Portal Porvir - Ana Luísa D'Maschio