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Como o professor pode construir um clima positivo para a aprendizagem?

Conheça práticas eficazes para lidar com comportamentos desafiadores, fortalecer o respeito mútuo e tornar a sala de aula um ambiente emocionalmente seguro

No artigo anterior, discutimos como criar uma sala de aula inspiradora, motivadora e segura. Esse objetivo só se concretiza com a presença de um professor bem preparado à frente do processo educativo.

Em ambientes verdadeiramente inspiradores, o professor atua não apenas como transmissor de conhecimento, mas como exemplo vivo de conduta, respeito e valores. Os estudantes observam, imitam e se inspiram nos comportamentos dos adultos ao seu redor — e, no contexto escolar, o professor é a principal referência. Por isso, a maneira como o docente se comunica, escuta, lida com conflitos e expressa emoções influencia diretamente o clima da sala de aula, como escrevem o educador australiano Bill Rogers e o consultor britânico de comportamento escolar, Tom Bennett.

Ser modelo de comportamento ético e respeitoso implica tratar todos os estudantes com dignidade: evitar julgamentos precipitados, manter imparcialidade, valorizar a diversidade e demonstrar paciência diante de comportamentos desafiadores. A linguagem verbal e não verbal deve expressar interesse genuíno pelo outro, contribuindo para um ambiente emocionalmente seguro e inclusivo.

No livro “Classroom Behaviour: A Practical Guide to Effective Teaching, Behaviour Management and Colleague Support” (“Comportamento em sala de aula: Um guia prático para o ensino eficaz, gestão do comportamento e apoio entre colegas”, em livre tradução), Bill Rogers defende o uso de uma “linguagem de encorajamento”, evitando sarcasmo ou ironia e priorizando o reforço positivo.

O respeito mútuo começa quando o professor compreende que o respeito deve ser conquistado, não imposto. Estudantes, especialmente adolescentes, respondem melhor a adultos que demonstram coerência entre discurso e ação. Pequenas atitudes do cotidiano — cumprimentar com cordialidade, escutar com atenção, explicar regras com clareza e justificar decisões — são exemplos disso, reforçam Tom Bennett e o relatório “Education Endowment Foundation, Improving Behaviour in Schools: Guidance Report” (“Melhorando o comportamento nas escolas: relatório de orientações”).

A autoridade docente, segundo Tom, no livro “Creating a Culture: How School Leaders Can Optimise Behaviour” (“Criando uma cultura: como líderes escolares podem otimizar o comportamento”), sustenta-se na consistência das ações, e não em reações impulsivas. Em situações de conflito, o professor deve manter postura profissional. Reagir emocionalmente a provocações é um erro perigoso. Professores bem preparados compreendem que comportamentos desafiadores indicam necessidades pedagógicas ou emocionais. A resposta adequada deve ser assertiva, proporcional e orientada à restauração da relação.

De acordo com a Education Endowment Foundation, clareza, previsibilidade e profissionalismo são essenciais para promover comportamentos positivos. O respeito também se fortalece com a escuta ativa e o incentivo à participação dos alunos, promovendo senso de pertencimento, autonomia e corresponsabilidade.

Outra dimensão fundamental é a forma como o professor lida com o erro. Ao tratá-lo como parte natural do processo de aprendizagem, promove-se a mentalidade de crescimento, como aponta a pesquisadora Carol Dweck, estimulando a autoconfiança e a coragem para enfrentar desafios. O erro deve ser visto como oportunidade de reflexão, e não motivo de constrangimento.

A conduta ética do professor também se expressa nas relações com colegas, funcionários e famílias. A coerência entre discurso e prática reforça sua credibilidade e contribui para um clima escolar mais harmonioso.

O que fazer na prática?

Criar um ambiente inspirador, seguro e livre de intimidações exige ação intencional, embasamento profissional e consistência. A seguir, algumas práticas eficazes com base nas contribuições de Tom Bennett e Bill Rogers:

Desenvolver estratégias para lidar com o mau comportamento de forma profissional
Bill Rogers, em “Comportamento em sala de aula”, orienta que o professor mantenha postura firme, mas não hostil, usando linguagem clara e calma. Sarcasmo, ironia e gritos comprometem o respeito. Tom Bennett (2017), em “Criando uma cultura”, recomenda evitar reações impulsivas e intervir de forma estratégica e discreta — com um olhar ou redirecionamento, por exemplo.

Estabelecer rotinas claras e consistentes

A previsibilidade reduz a ansiedade e favorece o aprendizado. Segundo Tom Bennett, “rotinas libertam os alunos para aprender”. Bill Rogers defende que normas sejam ensinadas e reforçadas, com ensaios coletivos, lembretes visuais e revisões frequentes. A estabilidade ajuda a manter o foco no aprendizado.

Elogiar e recompensar de forma eficaz

Bill Rogers sugere o uso intencional do reforço positivo, por meio de uma “linguagem de encorajamento”. O reconhecimento deve valorizar esforço e progresso,enquanto a UNISON, um dos maiores sindicatos do Reino Unido, afirma que isso fortalece a autoestima e o pertencimento dos estudantes.

Regras claras e sistema de consequências partilhado

Segundo Tom, a ausência de políticas consistentes prejudica a gestão do comportamento. A escola deve ter regras positivas aplicáveis por todos os docentes. Bill Rogers propõe escalas de resposta (lembrete → aviso → tempo de reflexão), promovendo justiça e previsibilidade. Essa cultura só se consolida com o envolvimento da liderança escolar.

Desenvolver a autorregulação emocional e de estudos

Os alunos precisam aprender a gerenciar emoções, controlar impulsos e organizar os estudos. A Creative Education, uma organização educacional britânica que oferece cursos, treinamentos e materiais de desenvolvimento profissional para professores, propõe check-ins emocionais, estratégias de pausa, oportunidades de autocorreção e momentos de reflexão como formas práticas de desenvolver essas habilidades.

Fomentar a motivação intrínseca e extrínseca

A motivação cresce quando há conexão com a vida real, possibilidade de escolha e projetos significativos. A motivação extrínseca pode incluir recompensas justas e metas claras. Tom Bennett destaca que ambas devem ser usadas de forma equilibrada e não manipulativa.

Planejar intencionalmente: avaliação para a aprendizagem

A ApA (Avaliação para a Aprendizagem) transforma a avaliação em ferramenta de escuta, diálogo e ajustamento do ensino, como mostram Paul Black e Dylan Wiliam. Estratégias como retorno avaliativo (feedback) formativo, autoavaliação, avaliação entre pares e perguntas abertas criam um ambiente mais responsivo, no qual o estudante se sente ouvido e valorizado.

O uso de perguntas baseadas na Taxonomia de Bloom estimula o pensamento crítico e valoriza as ideias dos estudantes. Essa taxonomia, elaborada pelo educador Benjamin Bloom, classifica os níveis de complexidade do pensamento humano no processo de aprendizagem.

Pequenas lousas individuais (mini quadros brancos) permitem que todos os estudantes participem simultaneamente, tornando visível seu raciocínio e encarando os erros como parte do processo de aprendizagem.

O feedback deve ser claro, específico e centrado na tarefa. A Education Endowment Foundation afirma que o formato mais eficaz para essa prática é o que promove reflexão e orienta ações.

O Laboratório de Ensino e Aprendizagem do Instituto de Tecnologia do MIT (Massachusetts Institute of Technology) defende que o feedback se transforme em diálogo, promovendo engajamento e protagonismo.

Em resumo, construir salas de aula inspiradoras exige mais do que técnicas isoladas: requer postura profissional, escuta ativa e compromisso com o crescimento de cada estudante. Práticas como ApA, gestão positiva da sala de aula e fortalecimento do respeito mútuo criam as condições para que os estudantes aprendam, cresçam e se tornem cidadãos conscientes e responsáveis.

Salas de aula assim não apenas ensinam conteúdos: formam seres humanos. E tudo isso começa, todos os dias, com professores preparados, escolas comprometidas e uma intencionalidade que coloca o bem-estar e a aprendizagem dos alunos no centro de tudo.

Arthur Galamba - Arthur ensinou física em escolas secundárias no Brasil por mais de 12 anos e obteve um mestrado em Psicologia Cognitiva antes de se mudar para o Reino Unido para obter seu PhD em educação de ciências. Ele trabalhou para o Programa Teach First na Canterbury Christ Church University e agora lecturer de ciências no programa PGCE do King’s College London. Atualmente, é Diretor dos programas do PGCE de Física e vice-diretor do King’s Brazil Institute. Arthur também é diretor do STEM Education Hub, um projeto decolonial executado em parceria entre a KCL e o British Council Brasil, que busca criar e apoiar oportunidades de colaboração entre educadores do Reino Unido e do Brasil. Um dos principais objetivos do Hub é apoiar professores de escolas no Brasil e no Reino Unido para entender e usar as descobertas dos pesquisadores em suas aulas.

Fonte: Portal Porvir - Arthur Galamba

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